Estive
dois dias em Junin de los Andes, uma cidade bem pequena perto da
cordilheira, um pouco a norte de Bariloche, posta no mapa mais pelo
posicionamento na 'Ruta de los Lagos' que por qualquer outra coisa.
Depois de descansar um par de dias resolvi continuar a andar para
alguma parte diferente, escolhi o lago 'Huechulafquen', um lago tão
comprido quanto o nome, como próximo destino.
Duas
caronas e 10km de caminhada depois estava na parte menos recorrida do
lago, fora de temporada, em um camping perdido na patagônia.
Procurava temperaturas baixas em oposição às altas que estou
acostumado no Brasil, as encontrei próximas de zero, procurava
afastamento do mundo, fiquei dois dias em uma área onde uma pessoa
por quilômetro quadrado é muita coisa.
O lugar
não cabia nas fotos. Quando o tempo abria se viam os picos nevados
da cordilheira, havia o lago enorme com suas praias de cascalho e
ventos fortíssimos, a vegetação era totalmente diferente das
florestas tropicais que vi toda a vida, e assim a Patagônia com sua
paisagem completamente nova me recebia de peito aberto.
O caseiro
que cuidava do camping me olhou com um pouco de estranheza - nenhuma
pessoa de bom senso costuma acampar com esse clima - mas me recebeu
com palavras amigáveis. Pouco vi ele nos dois dias seguintes,
parecia um típico homem do campo, simples e prático. O lugar era um
sítio, com macieiras, pereiras, vacas, ovelhas e galinhas. Ficaria
mais tempo lá se não fosse a mudança no clima que se tornou
demasiado chuvoso, frio e com vento além do que seria sensato
enfrentar.
Por sorte
naquele dia em que houve a mudança no clima a dona do camping viria
para trocar de lugar com o caseiro e este iria embora em um táxi -
única maneira comercial de sair daquele lugar onde nem ônibus
chegava - e combinamos de dividir o transporte. Desmontada a barraca
e feita a mochila fui convidado a esperar o táxi dentro de sua casa.
Era uma
habitação de um cômodo, paredes feitas de madeira, móveis gastos
e inúmeros penduricalhos nas paredes. Serras, machados, artesanatos,
fotos antigas de família e surpreendentemente um relógio de parede
dourado de desenho incomum idêntico ao que havia na casa de minha
avó. Um gato branco e cinza caminhava em torno da calefação se
acomodando ora em um sofá, ora em uma poltrona, e ficava receoso
quando me notava lhe observando.
Estava
literalmente a milhares de quilômetros de casa, separado de Itajubá
por meses de viagens e fronteiras geográficas, entretanto sentia que
aquele cômodo era extremamente familiar. Logo apareceu a dona do
camping, uma senhora simpática de cerca de cinquenta anos,
ofereceu-me um mate (no Brasil chamamos de 'chimarrão') e puxou uma
conversa perguntando um pouco sobre o Brasil e sobre a minha viagem.
Logo falamos sobre o café brasileiro e ela ouviu feliz que eu vinha
de uma região produtora onde o encontrava bom e fresco. A senhora
logo ofereceu-me um pão com uma fatia de queijo caseiro, o qual me
desvendou a revelação dita no título: era queijo mineiro.
O queijo
era muito similar, senão idêntico, ao que eu conhecia como o
regionalíssimo queijo 'mineiro'.
José -
assim se chamava o caseiro - logo voltou e sentou-se numa cadeira,
também chegou um guarda florestal que aparentemente estava
familiarizado com a casa e logo a conversa se diluiu em outros
assuntos antes que eu pudesse manifestar minha observação. Lá fora
caía um chuvisco fraco constante e a noite começou a chegar. Em
alguma hora alguém havia ligado um rádio e logo tive outro susto,
estava aproveitando uma música ambiente que não poderia ser mais
familiar: era sertanejo. Não, não estou falando da deturpação
recente do gênero, mas do ritmo raiz, moda de viola, Tião Carreiro
e Pardinho, etc. Era o clássico das rádios AM da minha região
cantado em castellano.
Aquilo
era demais, não uma, mas duas músicas seguidas me surpreenderam, na
primeira brecha que tive na conversa perguntei como chamavam aquele
ritmo e me responderam que chamavam de ritmos folclóricos. Sim, uma
pesquisa posterior me fez saber que esse tipo de canção, à base de
violão, voz forte, contando histórias sobre o campo com um
pontilhado de fundo, estava espalhado por muitas mais regiões do
continente.
Na hora
seguinte durante a espera pelo transporte minha mente vagou por
comparações inevitáveis. No lugar do tradicional café-da-visita
vinha o mate, a hospitalidade interiorana era evidente, a calefação
antiga do cômodo deixava o cheiro de carvão a lenha no ar, a
conversa - que aqui chamam de charla - era a prosa do
mineiro. A casa simples, um galo cantando, o pomar, era uma 'roça'
que poderia ser usada pelo dicionário na definição da palavra. Me
sentir mais em Minas do que isso era impossível.
O táxi
chegou. Um pouco mais tarde do que deveria mas ainda com tempo para o
motorista juntar-se para prosear um pouco. Fomos quando a noite já
havia descido e cheguei de volta à cidade para dar check-in em um
hostel. Internet, living-room, TV a cabo, viajantes, um alemão, uma
israelense e outros tantos de outros cantos. Subitamente estava de
volta à estrada no intervalo de um parágrafo.
Voltando
a essa história de mochilão, caronas, datas e lugares, e segurando
as saudades de casa, paro um pouco para pensar (e escrever) sobre
aquele fim de tarde em que estive de volta ao 'interior de Minas'.
Mas ao menos agora me conforta o saber de que o 'interior' que
conheço e amo tanto na verdade é uma parte menor de um grande
bairro rural que se espalha pela América Latina, feito de tanta roça
espalhada com tanto José comendo queijo e olhando a galinha ciscando
no quintal, que nenhuma geografia pode limitar.